Como um acidente pode explicar o comportamento humano
O Brasil ficou chocado nos últimos dias de julho quando um garoto
de 11 anos teve o braço direito dilacerado por um tigre. O "acidente"
ocorreu em um zoológico de Cascavel, PR, quando o garoto, acompanhado do pai,
pulou uma cerca de proteção, ignorou os avisos de manter-se afastado e provocou
primeiro um leão e depois o tigre. O desfecho todo mundo viu: teve o braço
amputado na altura do ombro e terá a vida inteira para refletir sobre esse ato
"corajoso". Esse acidente é exemplar, em todos os sentidos.
Quem acompanha minhas colunas sabe que há décadas eu insisto no
declínio na qualidade do ser humano em sociedade. Especialmente no Brasil, país
que parece caminhar ladeira abaixo no campo das relações humanas.
Felizmente alguém filmou e mostrou uma imagem que retrata o que
vem acontecendo em uma sociedade desacostumada a respeitar uma autoridade. O
garoto ficou por cerca de seis minutos atiçando dois felinos de grande porte,
conhecidos por qualquer ser vivente como predadores. Até as pedras sabem que
esses animais se alimentam de outros animais desde que o mundo é mundo.
Imediatamente após a divulgação das imagens começaram os
julgamentos, principalmente os do "contra" e "a favor",
seja do tigre, do garoto, do pai, do zoológico, de Deus etc. No atual modus
operandi social de palpitar sobre tudo houve a esperada distribuição de culpa
para todos os envolvidos, alguns até tentando amenizar o lado do garoto sob a
alegação de que era "incapaz" de avaliar os riscos. Será? Com 11 anos
você não sabe a diferença de um gato para um tigre?
Deixando um pouco o tigre de lado, vamos lembrar um pouco das
histórias da Bíblia. Sem a menor conotação católico-cristã, mas apenas como
exemplo. Muita gente atribui o pecado original ao sexo, fazendo uma analogia
direta da mordida na maçã com rala e rola entre Adão e Eva. Mas Deus não
poderia castigar pelo sexo, senão inviabilizaria a reprodução humana e jogaria
por terra o famoso "crescei e multiplicai".
O pecado original que condenou Eva e seu amasio ao mundo terreno
foi a DESOBEDIÊNCIA. Deus deixou bem claro: não coma a fruta dessa árvore! E
quando virou as costas lá foi ela e nhoc! Não tinha uma placa na macieira do
tipo "fique longe, não coma". Por trás da desobediência está o
conceito que quero chegar: o desrespeito!
Voltando ao zoológico, qual o padrão de comportamento dos
visitantes: enfiar o braço na jaula ou manter-se afastado? Se uma criança
violou o padrão é preciso olhar para esse caso isolado e tentar entender melhor
de onde vem o comportamento tão prepotente.
Hoje em dia existe uma enorme confusão aqui em terras brasileiras
com relação à educação. Também já escrevi sobre isso. E é um tal de pais
entregarem seus filhos às escolas na crença cega de que o pimpolho sairá de lá
um lorde inglês e com conhecimento de filósofo alemão. Mas em casa o filho faz
o que quer, passa o dia no videogame, desobedece os pais e eventualmente
despreza a autoridade dos empregados.
Educação é aquele conjunto de regras transmitidos de pais para
filhos como uma carga genética. O que a escola transmite é conhecimento.
Portanto, escola não educa, quem educa é o convívio familiar. Já defendi mais
de um milhão de vezes a mudança do nome de ministério da Educação para
ministério do Ensino.
Pergunto, que tipo de pai pode gerar um filho tão incapaz de
entender a regra mais elementar, bíblica e basilar da educação que é a
obediência? Que tipo de exemplo esse garoto tem em casa para ignorar tão
descaradamente os perigos que envolvem o enfrentamento de um animal feroz? Uma
criança que atiça descaradamente um animal selvagem como o tigre respeita seus
professores? Obedece seus pais?
É o reflexo da falta de cuidado na educação, não da escola, mas
aquela da formação do caráter. Quem enfrenta um tigre não é corajoso - como
escreveram alguns - ou simplesmente desobediente?
Chamou-me a atenção o comentário de vários jornalistas que
reforçaram o fato de no momento do acidente não ter nenhum vigia, embora o
zoológico tenha se defendido alegando que a área é monitorada por quatro
fiscais.
Ora, jornalistas são pessoas esclarecidas, viajam e normalmente
voltam do exterior sempre com uma história de civilidade na ponta da língua.
Ficam impressionados que nos museus americanos o visitante deposita o valor em
uma caixa que fica ali, ao alcance de qualquer um, mas ninguém pega. Contam -
impressionados - que na Áustria as padarias deixam o leite fora e as pessoas
pegam e depositam as moedas em um pote, sem ninguém vigiando.
Mas cobram o fato de naquele local do zoo não haver um vigilante.
É ISTO que quero chamar a atenção: educação não é um comportamento expresso
diante de fiscalização, o nome disso é obediência. Educação é o comportamento
do indivíduo quando não tem NINGUÉM olhando!
Por isso a Prefeitura de SP instalou mais uma centena de radares e
câmeras de vigilância, porque o motorista só consegue se manter educado sob
constante fiscalização. Porque não foi educado. Os motoristas/motociclistas mal
e porcamente foram instruídos, quando foram... E os ciclistas nem isso!
Pela visão do jornalismo sensacionalista podemos perder a
esperança em trânsito solidário sem que haja uma fiscalização opressiva e
constante, como no zoológico. Não basta uma placa de proibido estacionar,
precisa ter um fiscal. Não basta investir em passarela ou ciclovia, tem de
fiscalizar. Não basta avisar que o leão é bravo, precisa colocar o braço lá
dentro!
Geraldo Tite Simões - Jornalista, escritor, especialista em segurança viária.
FONTE: http://motite.blogs.sapo.pt/o-tigre-o-menino-e-o-transito-110393
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